A crise estrutural do Estado Brasileiro alcançou uma instituição que parecia inatingível - o Poder Judiciário. Da Administração Judiciária como um todo a parte mais problemática situa-se no sistema criminal. Por estas e outras razões dedicaremos este artigo à análise do sistema criminal, levantando seus problemas, a necessidade de reforma e à formulação de algumas questões de política jurídica criminal, muitas já ensaiadas pelos estudiosos e legisladores.O sistema criminal, como especialidade do Estado Moderno, tem o fito de efetivar e produzir a segurança pública da sociedade civil e não apenas a segurança do Estado. A crise de legitimidade do Estado provoca efeitos profundos sobre a idéia de democracia, porque não é possível construir uma democracia sem que o processo de aplicação da justiça desempenhe um papel central na vida do país. Um dos mais importantes avanços, verificados no período pós-regime militar, é o reconhecimento do papel crucial que desempenha a aplicação do judiciário na consolidação e no aprofundamento da democracia. Entre nós, a sociedade civil tardiamente descobriu o poder judiciário, basicamente após a Carta Política de 1988.A questão da reforma do processo criminal pode ser examinada com base em diferentes pontos de vista, que vão além da esfera da comunidade jurídica, afetando todo o sistema político. O sistema judiciário, tanto pelo aspecto estritamente formal quanto pelo aspecto cultural, mais amplo, atingiu um estágio de profunda crise estrutural, da qual ele ainda não conseguiu livrar-se, e que abrange todas as facetas da justiça criminal. Trata-se de uma crise de efetividade política, administrativa, e principalmente processual/cultural, bem como de uma crise gerada pela mentalidade característica do sistema: formal e extremamente técnico-procedimental.“O que significa reformar o sistema criminal?”Precisamos indagar o que define a reforma do sistema criminal e seus complicadores políticos, e suas dificuldades de implantação. No entanto, sabemos que o atual sistema não atende aos desejos da sociedade democrática, e sua reforma é imprescindível para elevar o nível de segurança pública no país. O que temos presenciado junto à "comunidade jurídica" (advogados, delegados, promotores, juízes) em relação ao debate da reforma criminal, são referência a orientações conjunturais e pouco apego aos aspectos estruturais, onde se monta o edifício do sistema criminal.No sistema criminal, a crise se manifesta por si mesma como uma crise de eficiência. O nosso sistema processual criminal de natureza inquisitorial, em si, tem demonstrado ser absolutamente ineficiente em sua batalha contra formas modernas de crimes, principalmente os de "colarinho branco". Essa crise de eficiência dá origem a um dos efeitos mais nocivos à sociedade brasileira: a impunidade. Entre os problemas que atacam a administração da justiça e a democracia, nenhum deles seja tão prejudicial à sociedade quanto a impunidade, principalmente dos poderosos. O método que o sistema criminal usa para punir delitos funciona apenas para criminosos menos importantes e de menor poder ofensivo à sociedade. A legitimidade do sistema jurídico diz respeito ao tratamento de pesos e medidas iguais, a tempo, já considerada por Cesare Beccaria.A reforma do sistema criminal deve acompanhar os avanços democráticos da sociedade como também a evolução dos novos delitos. O sistema criminal precisa adequar-se aos novos tempos, ser efetivo, ágil. Uma legislação excessiva e detalhista inviabiliza que o processo seja simplificado. Acresce que nossa cultura jurídica valoriza mais o direito processual do que o direito materialmente instituído, invertendo-se o sentido final do sistema, privilegiando a melhor habilidade forense em detrimento do mérito da causa. A imparcialidade e a estrita legalidade nem sempre correspondem à Justiça. Os juízes podem interpretar a lei extensivamente, como às vezesfazem, para alcançar circunstâncias não previstas (art.4º e 5º da LICC); esse, porém, é o limite da discricionariedade. Assim, a interpretação confere apoio legal a casos que não tenham fundamento para ser objeto de pleito judicial, passando a tê-lo por meio dos princípios gerais de direito.O sistema criminal alcança cifras baixas de eficiência - somente "alguns" são investigados, processados e julgados. A situação tende a fazer com que aqueles que são alcançados pela Justiça se configurem como os "bodes expiatórios" do problema do crime na sociedade. Nesse sentido, podemos ver que a Justiça pode rotular pessoas como criminosas, como pessoas diferentes das outras, pois essa seleção pode ser tão casual, pode ser injusta.Em realidade, deveria não ser surpresa para nós o fato de o número de crimes registrados numa sociedade materialmente democrática ser propor- cionalmente inverso ao número de leis e de pessoal a serviço delas. No Brasil, a experiência democrática de natureza formal contrasta com os desníveis de vida social, tornando a democracia frágil por estar estruturada apenas como e enquanto discurso político. Junto a isso, temos problemas administrativo-gerenciais no sistema criminal, por deliberada omissão ou ausência pura e simples do Estado. Nos grandes centros urbanos, parte considerável dos crimes jamais são registrados, constituindo o que se denomina "cifras negativas do crime". Significa, cada vez a menor intromissão do Estado e, deixá-los a controles informais dos agentes policiais, da segurança privada, do crime organizado etc.Estratégias de reformaA reforma judiciária criminal deve atentar para três categorias político-jurídicas distintas e que devem ser combinadas: efetividade do sistema, garantias processuais como direitos fundamentais, e legitimidade do papel social da Justiça. Qual a estratégia mais apropriada? Como iniciar o processo? Destas difíceis questões estabelecemos dois processos estratégicos da reforma judicial: o processo técnico e o processo social. a - PROCESSO TÉCNICO: O processo técnico deve "balizar" as várias demandas sociais, as exigências dos diferentes grupos sociais em relação à aplicação da justiça. De outro lado, deve-se também levar em consideração que esse processo técnico desencadeia vários processos sociais. O processo técnico é um simples "suporte" para o processo social, e ambos se acham em constante interação. Na medida em que se trata de um profundo processo de reforma e que afeta a distribuição de poder, a reforma do sistema criminal se transforma num processo altamente "sensível" politicamente.O direito constitucional consagrou várias garantias penais e processuais, soerguendo o devido processo legal com uma das maiores garantias do cidadão. A segurança das garantias processuais é antes de mais nada a "cláusula pétrea" da reforma do sistema de justiça criminal, de modo que o poder penal do Estado não se transforme numa aplicação arbitrária da força. b - PROCESSO SOCIAL: O processo de mobilização social da reforma do sistema criminal visa atingir a sensibilidade adequada da sociedade civil, em relação à necessidade que ela tem de realizar mudanças no sistema de justiça criminal. A participação direta da sociedade por meio da iniciativa popular de projetos de lei, de debates e manifestações de toda a ordem, contribui sobremaneira para a produção de melhoria do sistema judiciário. De outra parte, o que existe é uma falta de percepção da sociedade quanto à profundidade da crise que afeta a aplicação da justiça, não se aplicando aos membros da comunidade legal - os diretamente envolvidos com o sistema criminal. produzir um tipo de ação que alcance determinado nível de eficiência, que não ofenda direitos de cidadania. Emmuitos casos é argüido que a verdadeira eficiência investigadora só pode ser alcançada com a violação de certos direitos, como por meio de tortura do suspeito, ou negando o devido processo legal.A estratégia de reforma criminal deve analisar os aspectos estruturais e conjunturais do sistema como um todo: passando da simples leitura cotidiana do problema para as questões estruturais formais do sistema criminal. Emconformidade com os estudiosos no assunto, indicamos dois blocos de aspectos (estruturais e conjunturais), distintos e ao mesmo tempo, interligados a nível prático.
Postado por Pedro Paulo da Cruz às 18:34 0 comentários
“AS DEZ PRAGAS DO SISTEMA CRIMINAL BRASILEIRO”
A tendência do Congresso Nacional em editar uma legislação de pânico para combater o surto da violência e a criminalidade organizada, caracterizada pelo aumento da pena de prisão e o isolamento diuturno de alguns condenados perigosos durante dois anos – além de outras propostas fundadas na aritmética do cárcere - revelam a ilusão de combater a violência do crime com a violência da lei. Nesse panorama em que a emoção supera a razão do legislador, recrudesce o discurso político e se aviventam os rumos na direção de um direito penal do terror. Os apóstolos dessa ideologia que considera o delinqüente como inimigo interno e irrecuperável socialmente não estão vendo a multiplicação dos crimes hediondos (seqüestro, latrocínio, roubo relâmpago, homicídios, tráfico de drogas, etc.) apesar da severidade da lei penal. Não percebem ou fingem não perceber que o crime organizado tem seus vasos comunicantes com a desorganização do Estado. Ignoram que a lei penal – por si só – jamais irá desmantelar esse estado paralelo que afronta a autoridade pública e intimida a população civil condenada a ficar no meio dos beligerantes (policiais e traficantes), desviando-se das "balas perdidas", essa enganosa expressão que mascara o anonimato e dilui a responsabilidade.Os fenômenos da violência descontrolada e do crime organizado são frutos da omissão e incompetência dos poderes públicos de todos os níveis. Nessa quadra da história da República, a segurança dos cidadãos (como princípio, direito, garantia e valor) vem sendo atacada por uma corrente de malefícios que podem ser comparados às dez pragas do Egito, reveladas no Êxodo, o segundo Livro da Bíblia:as águas tornaram-se sangue, as rãs, os piolhos, as moscas, a peste nos animais, as úlceras e os tumores nos homens e nos animais, o granizo, os gafanhotos, as trevas e a morte dos primogênitos. O cotidiano dos cidadãos mostra os quadros da impotência e do medo causados pelos vícios e erronias do sistema criminal. Independentemente da ordem de apresentação elas também assumem a conformação de calamidades bíblicas. Aqui e ali existem determinadas afinidades que não podem ser ignoradas, como, por exemplo as chacinas na periferia dos grandes centros urbanos (as águas tornam-se em sangue); o sentimento de insegurança (as úlceras e os tumores nos homens e nos animais); a corrupção funcional (os gafanhotos); as organizações criminosas (as rãs que "subirão sobre ti e sobre o teu povo"); a inflação legislativa (as moscas – "a terra foi corrompida desses enxames"); e a marginalização social (as trevas).Existem graves e intoleráveis males na administração pública, nos meios de comunicação e em setores políticos e sociais que não podem ser desconhecidos ou sonegados ao debate atual. A segurança pública não deve continuar a ser essa Caixa de Pandora de onde, segundo a mitologia, saíram todos os males que inundaram a terra. Eles podem ser apontados:1º) a carência de recursos humanos, materiais e tecnológicos das instâncias formais responsáveis pela prevenção e repressão da criminalidade;2º) o salário de fome pago aos policiais de um modo geral;3º) a falta [de sistemas integrados] de informação e inteligência;4º) o confronto de atuações entre a Polícia Militar e a Polícia Civil;5º) o discurso político que, em lugar de racionalizar os problemas, provoca a inflação legislativa e abusa de recursos demagógicos e ineptos como esse de transferir audiências de presos do fórum para o interior dos presídios;6º) as distorções da investigação criminal que mantém o mumificado inquérito policial dos anos 40, de burocracia tentacular, fonte de corrupção e abusos;7º) o desvirtuamento das delegacias de Polícia, esses depósitos infectos de presos culpados e inocentes, sucursais do inferno que procuram transformar o investigador em carcereiro;8º) a massificação dos serviços forenses que não permite ao magistrado examinar melhor os casos e conhecer as pessoas que estão julgando;9º) a crise dos estabelecimentos penais, com suas rebeliões carcerárias que misturam presos menores e maiores, primários e reincidentes, perigosos ou não;10) A falta de integração entre os agentes do sistema, ou seja, policiais, promotores, juízes, defensores públicos e servidores penitenciários, os quais somente falam entre si através da frieza dos papéis.Mas apesar de tudo isso, ainda restou à esperança no fundo da Caixa de Pandora. Esperança que no dizer do Padre Vieira:"é mais doce companheira da alma".
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“AS DEZ PRAGAS DO SISTEMA CRIMINAL BRASILEIRO”
A tendência do Congresso Nacional em editar uma legislação de pânico para combater o surto da violência e a criminalidade organizada, caracterizada pelo aumento da pena de prisão e o isolamento diuturno de alguns condenados perigosos durante dois anos – além de outras propostas fundadas na aritmética do cárcere - revelam a ilusão de combater a violência do crime com a violência da lei. Nesse panorama em que a emoção supera a razão do legislador, recrudesce o discurso político e se aviventam os rumos na direção de um direito penal do terror. Os apóstolos dessa ideologia que considera o delinqüente como inimigo interno e irrecuperável socialmente não estão vendo a multiplicação dos crimes hediondos (seqüestro, latrocínio, roubo relâmpago, homicídios, tráfico de drogas, etc.) apesar da severidade da lei penal. Não percebem ou fingem não perceber que o crime organizado tem seus vasos comunicantes com a desorganização do Estado. Ignoram que a lei penal – por si só – jamais irá desmantelar esse estado paralelo que afronta a autoridade pública e intimida a população civil condenada a ficar no meio dos beligerantes (policiais e traficantes), desviando-se das "balas perdidas", essa enganosa expressão que mascara o anonimato e dilui a responsabilidade.Os fenômenos da violência descontrolada e do crime organizado são frutos da omissão e incompetência dos poderes públicos de todos os níveis. Nessa quadra da história da República, a segurança dos cidadãos (como princípio, direito, garantia e valor) vem sendo atacada por uma corrente de malefícios que podem ser comparados às dez pragas do Egito, reveladas no Êxodo, o segundo Livro da Bíblia:as águas tornaram-se sangue, as rãs, os piolhos, as moscas, a peste nos animais, as úlceras e os tumores nos homens e nos animais, o granizo, os gafanhotos, as trevas e a morte dos primogênitos. O cotidiano dos cidadãos mostra os quadros da impotência e do medo causados pelos vícios e erronias do sistema criminal. Independentemente da ordem de apresentação elas também assumem a conformação de calamidades bíblicas. Aqui e ali existem determinadas afinidades que não podem ser ignoradas, como, por exemplo as chacinas na periferia dos grandes centros urbanos (as águas tornam-se em sangue); o sentimento de insegurança (as úlceras e os tumores nos homens e nos animais); a corrupção funcional (os gafanhotos); as organizações criminosas (as rãs que "subirão sobre ti e sobre o teu povo"); a inflação legislativa (as moscas – "a terra foi corrompida desses enxames"); e a marginalização social (as trevas).Existem graves e intoleráveis males na administração pública, nos meios de comunicação e em setores políticos e sociais que não podem ser desconhecidos ou sonegados ao debate atual. A segurança pública não deve continuar a ser essa Caixa de Pandora de onde, segundo a mitologia, saíram todos os males que inundaram a terra. Eles podem ser apontados:1º) a carência de recursos humanos, materiais e tecnológicos das instâncias formais responsáveis pela prevenção e repressão da criminalidade;2º) o salário de fome pago aos policiais de um modo geral;3º) a falta [de sistemas integrados] de informação e inteligência;4º) o confronto de atuações entre a Polícia Militar e a Polícia Civil;5º) o discurso político que, em lugar de racionalizar os problemas, provoca a inflação legislativa e abusa de recursos demagógicos e ineptos como esse de transferir audiências de presos do fórum para o interior dos presídios;6º) as distorções da investigação criminal que mantém o mumificado inquérito policial dos anos 40, de burocracia tentacular, fonte de corrupção e abusos;7º) o desvirtuamento das delegacias de Polícia, esses depósitos infectos de presos culpados e inocentes, sucursais do inferno que procuram transformar o investigador em carcereiro;8º) a massificação dos serviços forenses que não permite ao magistrado examinar melhor os casos e conhecer as pessoas que estão julgando;9º) a crise dos estabelecimentos penais, com suas rebeliões carcerárias que misturam presos menores e maiores, primários e reincidentes, perigosos ou não;10) A falta de integração entre os agentes do sistema, ou seja, policiais, promotores, juízes, defensores públicos e servidores penitenciários, os quais somente falam entre si através da frieza dos papéis.Mas apesar de tudo isso, ainda restou à esperança no fundo da Caixa de Pandora. Esperança que no dizer do Padre Vieira:"é mais doce companheira da alma".
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